Satanizando o RPG

Saudações Aventureirxs!

Hoje leremos mais um artigo que foi sucesso no antigo blog dos Cavaleiros das Noites Insones, lá em 2010, e acho válido novos leitores manterem o conhecimento da polêmica que o RPG sempre trouxe para a sociedade estadunidense. Algo similar pode acontecer por aqui também… Leiam abaixo e reflitam.

Satanizando o RPG

[…] Enfim, trago hoje uma tradução/listagem livre que retirei do The Escapist sobre a época (ainda em vigor) nos EUA de caça às bruxas, feitos pelos extremistas religiosos contra o RPG, mas especificamente contra o Dungeons and Dragons.
Há pouco tempo, aqui mesmo no Brasil, tivemos algo similar, com um caso já julgado, dos assassinatos ocorridos em Minas Gerais, que culminou com até pretensão de se apoiar uma lei contra o RPG e jogos eletrônicos por aqui. Pura bobagem, dado que o RPG não mata pessoas, e se fosse proibir algum jogo aqui no Brasil, que se prendam todos os jogadores de futebol. Enfim, ocorreu em fevereiro desse ano, lá nas terras estado-unidense: Amy Bishop, uma professora da Universidade do Alabama, saiu matando colegas e alunos em fevereiro, e conforme o BostonHerald.com, em 1980, ela fazia parte de um clubinho de Dungeons and Dragons.
Você me fala “e la vamos nós de novo” com essa história, sempre promovida pela mídia, de procurar alguma explicação para assassinatos, e como sempre, envolvendo algo que não tem nada a ver com a história, mas ao contrário do que você pensa, não é só aqui que algum meio público sensacionalista faz a maioria da população ignorante tirar seus julgamentos precipitados. E não é a primeira vez.
Lá nos EUA, essa atitude tem até nome: se chama Abuso de Ritual Satâncio (SRA na sigla em inglês), nome criado por histéricos sensacionalistas para creditar relatos a jogos de RPG e similares. Muita coisa foi criada para embasar esse nome, e desde livros e filmes, relatando “experiências macabras relacionadas a jogos de RPG” até depoimentos colhidos por fontes duvidosas pela mídia de massa lá no EUA.

Satanizando o RPG: uma Linha do Tempo do Terror

Abaixo temos uma lista, documentada por Allen Varney (The Escapist) sobre ocorridos onde os culpados (ou pelo menos, se achavam) estavam envolvidos com RPGs e SRAs:

 

1979James Dallas Egbert III, 16 anos, desaparece da Universidade Estadual de Michigan, pouco antes dos exames. A família de Egbert contrata o detetive particular Willian Dear para localizá-lo. Porque Egbert era um viciados em drogas, socialmente desajeitado, assinante da Dragon Magazine quando visitou o GenCon uma certa vez, Dear especulou publicamente que Egbert desapareceu nos túneis de vapor quando jogava D&D. As revelações de Dear (depois repetidas em seu livro A Dungeons Master, de 1985) causaram um furor na mídia. Em The Devil in Ms. Pac-Man, Russ Pitt (editor do The Escapist), resume a história de Egbert:

Egbert, uma alma profundamente perturbada, tinha tentado o suicídio nos túneis de vapor do campus (e não enquanto jogava D&D) e depois de não conseguir terminar a sua vida (não tendo sido treinado muito bem em uso de arma, por jogar D&D), buscaram refúgio na casa de um amigo, onde ele se escondeu de sua família e autoridades durante várias semanas. Ele finalmente conseguiu se matar (Em 1980), mas nenhuma conexão com a sua morte ou sua loucura nunca foi feita de forma convincente com o D&D, exceto que ele já jogou.

 

1980Michelle Remembers, do psiquiatra canadense Lawrence “Larry” Pazder e “Michelle Smith” (nome verdadeiro: Michelle Proby), é a primeira publicação que conta a história de uma sobrevivente de um SRA, e nele, Pazder modela o termo “abuso ritual“. A editora Pocket Books paga a Pazder US$ 100.000 pelo livro, e US$ 242.000 pelos direitos de publicação. Pazder se divorciou de sua primeira esposa um ano antes, e documentos jurídicos conta que Pazder e Proby desapareceram por longos intervalos de tempo, começando em março de 1977, quando Proby era sua paciente. Proby e Pazder se casaram mais tarde.
Michelle Remembers ainda vende muito, e Pazder montou uma consultoria para relatar esses “abusos rituais”, com mais de 1000 casos relatados. O sucesso do livro gera imitadores, como The Satan Sellers de Mark Warnker, e Satan’s Underground de “Lauren Stratford” (Lauren Rose Wilson).
1981Roma Jaffe, romancista, narra o desaparecimento de Egbert no livro Mazes and Monsters, como faz John Coyne em Hobgoblin. Ambas os livros contam que RPGistas são neuróticos, carentes e esquizofrênicos.
Fiend Folio (D&D/AD&D) foi o último suplemento da TSR a mostrar drasticamente um mamilo (Peito desnudo). Antes dele, os livros tinham desenhos “deveras provocantes”.
1982 – O estudante do ensino médio Irving “Bink” Pulling II, de Richmond (Estado da Virgínia), comete suicídio com a arma da sua mãe. Como Egbert, Bink Pulling era problemático, outrora estripou 17 coelhos de estimação, e um gato da vizinhança. Quando sua mãe, Patricia Pulling, ouve que Bink jogou D&D na escola, no dia do seu suicídio – a primeira vez que ela ouviu falar do jogo – ela se convence que ele se matou por causa de uma “maldição” que colocaram nele no jogo. Ela processa a escola (Pulling vs. Bracey em 1984) e a TSR. Quando ambos os processos são julgados, Pulling funda um pequeno grupo de advocacia chamado Bothered About Dungeons and Dragons (algo como Incomodado com D&D, BADD na sigla). Ela descreve o D&D como:

Um jogo de interpretação de papéis que usa demonologia, bruxaria, vudú, assassinato, estupro, blasfêmia, suicídio, morte, insanidade, perversão sexual, homosexualismo, prostituição, rituais satânicos, jogos de azar, barbarismo, canibalismo, sadismo, profanação, evocação do demônio, necromancia e outros ensinamentos.

O colega de classe de Bink, Don Moss, fala:

D&D não teve nada a ver com o suicídio de Bink, na verdade Katherine (Moss, esposa de Don, e na época namorada de Bink) me disse que em sua nota de suicídio, que ele tinha se matado por não gostar da mãe, que era uma péssima pessoa.

 

Pulling conseguiu aliados, dentre eles um psicanalista Thomas Radecki, que é criador de outra organização de uma pessoa só, a National Coalition on Television Violence (NCTV). Em inúmeras petições, palestras, talk shows e testemunho de “experts” legais,  os dois ativistas da moralidade ligam o RPG, tão como o Heavy Metal e a Religião Pagã, para o surto de SRA. Em um ponto, Radecki liga uma ficcional “carta ao editor” em Mazes and Monsters.
Ainda em 1982, a CBS faz uma adaptação para a TV do livro Mazes and Monsters (Labirinto e Monstros, em português), como a estréia do jovem ator de 26 anos Tom Hanks.

 

A má publicidade traz desgostos para os jogadores de D&D/AD&D. O jovem jogador Andy Ventromile (mas tarde, um dos escritores de GURPS) telefona para uma loja de brinquedos na Georgia, procurando por produtos D&D:

Eu estava consciente de que o casal de proprietários tinha uma sólida criação cristã. Mas eu não tinha considerado isso até que a esposa disse: “Não, nós não temos. Nós tivemos dois suicídios por causa desse jogo”.

1984Jack T. Chick publica o manifesto Anti-D&D Dark Dungeons.

Satanizando o RPG
Trecho de um quadrinho chamado Dark Dungeons

1985 – A BADD e a NCTV faz uma petição conjunta na Federal Trade Commission (FTC) para exigir etiquetas de advertência nos jogos de RPG. A petição alega 9 casos de suicídio incentivados pelo RPG, todos falsos ou duvidosos. A FTC cria a Consumer Products Safety Commission, que eventualmente nega o pedido.

15 de Setembro de 1985 – Entrevista de 1 hora com um dos criadores do Dungeons and Dragons, Gary Gygax, e o relações públicas da TSR, Dieter Sturm. O programa trata respeitosamente Pulling e Radecki respeitosamente, e faz com que Gygax pareça evasivo e insensível.
(Dieter Sturm deixa a TSR logo depois, para se tornar técnico em efeitos especiais para filmes, aparecendo ainda 4 vezes no programa de David Letterman, explodindo coisas, como queijo)
1987 – Em seu livro Raising Kids PG in an X-Rated Society, Tipper Gore, esposa do então senador Al Gore, lista D&D como uma moda ocultista teen e inclui informações de contato da BADD.
17 de Julho de 1987 – Enquanto os diretores da TSR se mantém indiferentes, outros RPGistas finalmente preparam suas defesas ofensivas. O escritor e game designer Michael A. Stackpole, mas tarde um dos defensores mais convincentes e pró-ativos nas fileiras do RPG, debate com Rosemary Loyocano, Diretora Ocidental da BADD, na rádio KFYI, no Tom Leykis Show. Stackpole diz: “essa foi a primeira vez que revidamos de forma significativa”.
12 e 13 de Outubro de 1987 – “Games that kill” (Jogos que matam), reportagem em duas partes de Geraldo Rivera, no Entertainment Tonight, provoca os jogadores Willian Flatt e Pierre Savoie a formar um grupo de advocacia chamado CAR-PGa (Comitê para o Avanço dos Jogos de Interpretação, na tradução livre).

 

Logo depois, estarei postando o final dessa reportagem. Todos os direitos reservados ao autor da postagem e a The Escapist.

Primeira parte originalmente postada em 10 de maio de 2010.